InVersos: Susete Viegas – A sombra

Frente a frente
Abracei a minha sombra
Contra o peito!
As almas numa só
Se uniram!
Folheamos o livro branco
Das nossas vidas,
Onde dormiam recordaçöes,
Pequenas flores de pó
Amarelecidas.
Com o olhar indeciso,
Medi o tempo,
Pela fresta da janela,
Por onde lentamente,
Passava a hora!
O dia estendia o véu,
De tule carmesim.
Enquanto serena a noite,
Cobria a terra,
Levando na sombra,
O que restava de mim.

Susete Viegas

InVersos: Isabel Rosete – Somos

Somos o caos
De onde já não se gera a ordem,
Pedaços soltos
Das organizações des-ordenadas.

Somos Micro-fibras,
De um tecido enrugado,
Sem possibilidade de alisamento.

Somos fios da teia intra-mundana
Rarefeita,
Desfeita,
Pelas nossas próprias mãos.

Somos o Tudo e o Nada
O Tempo e o Espaço,
Numa marcha simultânea.

Somos as marés,
Os rios,
Os riachos,
Que nem sempre desaguam
Nos oceanos.

Somos os ventos,
As tempestades,
A chuva ácida,
A rarefacção da atmosfera.

Somos os vulcões e a sua lava
Quente,
Ardente,
Incandescente,
Derramada por montes e vales.

Somos perfeito dinamite,
Sempre pronto a explodir,
Pólvora concentrada
De energias reprimidas.

Os sismos,
Também somos,
E a Terra fazemos estremecer,
Tremer,
Quebrar,
Ruir,
Oscilar.

Somos a poluição
E o dióxido de carbono,
As marés negras
E o lixo cósmico.

Somos os vírus,
As bactérias,
Os fungos,
Que tudo contaminam.

Somos pó,
Putrefacção,
Revestidos de formas
E fórmulas,
Incalculáveis.

Somos a amálgama do Mundo,
Dos céus
E dos mares.

Somos a mescla
De todas as raças,
De todas as cores,
De todos os credos.

Somos os deuses,
Impuros,
Que do Olimpo despejados.

Somos os Astros,
Os Sois,
Que nem sempre brilham,

Somos as faces de todas as Luas,
As giratórias de todos os planetas,
Os anéis de Saturno.

Somos a hipocrisia,
O oportunismo,
A demagogia,

Somos os defensores das causas,
Só em aparência,
Relevantes.

Somos a guerra,
A paz,
A des-ordem
E a ordem.

Somos os guerreiros solitários do Poema,
Das batalhas perdidas
Contra nós,
Contra todos os outros.

Somos o possível
E o impossível,
O sonho,
O real
E o imaginário.

Somos o virtual,
Que se presentifica,
Em cada acto comunicante,
À distância próxima
De todas as comunicações,
Intercontinentais.

Somos todas as lágrimas
Derramadas
E por derramar.

Somos todas as aventuras,
Todos os gestos,
Todos os actos,
Todos os pensamentos.

Somos todas as vontades,
Todos os quereres,
Todos os estares.

Somos?
Somos!
Tão-só,
O que realmente somos.

Isabel Rosete

InVersos: Florentino Alvim Barroso – Homem


Acredite no homem quem quiser.
Eu nele acreditar, não acredito:
Sempre vi, onde um homem estiver,
Ou a hipocrisia ou o delito.

Diga-se dele o bem que se disser
Seu proceder conspurca-lhe o seu rito.
Pois onde um homem num lugar houver,
Mais do que um homem bom, ha um maldito.

Decerto ele tem suas bondades:
Algumas para ver se vai pró Céu,
Outras, unicamente por vaidades.

Este é o homem, descerrado o véu.
Fosse bom a sua cadeia era sem grades,
O juiz, p’ra apenar não tinha réu. . .

Florentino Alvim Barroso