InVersos: Alice Queiroz – Recolhimento


Partilha comigo, em silêncio, o meu recolhimento
nesta noite longa e melancólica.

Hoje sinto que nada sou, nada tenho,
tudo me parece frágil e sem nexo.

Deixa-te embalar pelo tic-tac do meu velho relógio
de caixa alta que solidário empresta à noite,
mergulhada em silencio, um sinal de vida.
Senta-te aqui, a meu lado, escuta a melodia fascinante
do fogo a crepitar de força e vida nesta noite triste e fria.
As chamas, crepitando, compõem uma nostálgica e
estranha melodia que convidam ao silencio, à meditação e à fuga.
Queria ter-te aqui, sentindo este aroma da lenha queimada.
Queria que caminhasses comigo nas minhas distantes e
mágicas recordações.
Encontro-te por toda a parte! Fundes-te na chuva que cai e
indiscreta me espreita pela janela. Projetas-te no vento
que me bate à porta e chama baixinho o meu nome.
Ressurges esculpida no contorno das sombras para me lembrar
que existo e que há mundo e vida lá fora.
Não vás embora, pelo menos tu Saudade, fica comigo.
Preciso da tua mão amiga a servir-me de bastão para me apoiar
nesta hora que sinto tudo estar fugindo e que eu, nada sou,
nada tenho, a não ser vazio e mágoa.

Alice Queiroz

InVersos: Valter Guerreiro – Navegar é Preciso


Sou aditivo dos horizontes que me fogem tímidos ao olhar
E há muito que a alma me observa dos longes inacessíveis

Respiro apenas dos pulmões das palavras inauditas
E o corpo alheia-se vagamente da febre das mãos

Pairo inútil no assombro da minha ignóbil desutilidade
E ignoro o mais leve justificativo para mover o corpo

Escrevo porque não tenho aonde ir
E não me sinto ridículo

Quem da solidão não morre
Vive a fingir

Palavra a palavra como remos
Folha a folha como mar

É um barco que escrevemos

Que poesia é navegar!

Valter Guerreiro