Descascaste o poema
No silêncio das mãos
Foi porcelana nos teus dedos
O barro tosco que te dei
E sei que nunca serei
O corpo…
Onde as mãos repousam
Onde as mãos ousam
Existir…
João Moutinho
João Moutinho
Ninguém se sente sozinho
na noite de S. João
O de mais longe é vizinho,
o de mais perto é irmão.
Com a tua mão presa à minha
fui à fonte e não bebi,
estranha sede que tinha,
era só sede de ti!
Deixaste-me só na rua,
hoje, amor, por brincadeira.
E lenha que não foi tua,
fez-me arder a noite inteira.
É tua boca vermelha
um bonito cravo aberto.
Cuidado com uma abelha
que anda a zumbir muito perto.
Pedro Homem de Mello
[vimeo www.vimeo.com/68234823]
Santo António! Santo António!
Ó meu santo milagreiro!
Arranja uma moça bonita
para um rapaz solteiro!
Ó meu rico Santo António
ao colo tens o Menino,
põe-me a mim no outro braço
que ainda sou pequenino!
Santo António de Lisboa,
guardador dos Olivais,
guardai a minha azeitona
do biquinho do pardais!
Santo António é tão santo
que livrou seu pai da morte!
Bem podia o Santo António
dar-me uma bonita sorte!
[vimeo www.vimeo.com/67997009]
Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
– é tão vulgar que nos cansa –
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
– a morte é branda e letal –
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
– Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
– Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!
Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
Ary dos Santos
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis