o meu livro de instruções.Inês Ramos
Monthly Archives: Outubro 2013
InVersos: Rui Machado – Há quanto tempo
Fechado em mim
O bem-querer
Que não tem fim
Triste momento
Embalo assim
Sem o saber
Dentro de mim
A lei do tempo
E passo assim
A entreter
Dentro de mim
O sentimento
Minha oração
Por bem-querer
O coração
Largo o pesar
No que sou eu
Dor de cantar
A voz para o céu
Não é favor
Dizer a dor
De sentir
Negando agora
O que outrora
Fez sorrir
Mas no que sente
É bem diferente
A paixão
Quando a saudade
É só verdade
Sem razão
Em tudo existe
Algo de triste
Uma ilusão
Rui Machado
InVersos: Maria João Martins – Desertos de palavras
Entristecem os sorrisos
De coração atado dentro da boca
Não sabem como dizer
Que nas mãos, talvez ainda coubesse o verde das colinas
E nos olhos, a razão de todas as nascentes
Mas a voz exangue é uma escarpa, uma vereda
De saliva quente em poeira azeda
E as sílabas são ruínas dos olhares poentes
Definham no chão, os sorrisos
Na rua só se encontram
Desertos imensos de palavras.
Maria João Martins
InVersos: Camilo Peçanha – Porque o melhor, enfim
Porque o melhor, enfim,
É não ouvir nem ver…
Passarem sobre mim
E nada me doer!
Sorrindo interiormente,
Co’as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas
Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazerem dano…
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.
Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva
Que Abril copioso ensope…
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas…
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos…
Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranqüilas,
Em brutos pugilatos
Fraturam-se as maxilas…
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.
Camilo Pessanha